Capricho Árabe em guitarra clássica

Ainda a Luz!,

brilho que eclode de um Céu límpido

e Azul...

E tudo é Luz e Azul à minha volta!,

as paredes da sala onde estou,

os móveis, os livros, as minhas Mãos.

Estas Mãos que nunca tangeram uma guitarra.

Mãos azuis e luminosas de tanto terem Esperança,

corcéis dóceis que se apascentam de Verde e de Ar,

e são azuis e têm Luz!


Mas ainda a Luz!,

a Luz dos deuses imortais

e a Luz daqueles que não voltam mais.







Natal

Outro, sim, outro tempo

de Natal...

Milénios atrás e, afinal, sempre

um mesmo e um novo dia...

Mistério, e fragmento de Deus,

o Menino!,

que olha para Nós, e que é tão pequenino

na grandeza de um humano destino,

que colhemos, na Sua Alegria e na Sua Dor,

o grande, grande, Ministério do Amor.




E pur si muove...

Podia ser imortal

este momento,

mas não é.

Há sempre um Céu sedento

que exige

que tu acordes

e que vejas que o mundo se move.






Alepo - Tríptico

I - Cidade mártir

Ruínas e rostos,

tudo isso é silêncio,

tanto que despertam uma cadência em mim.

A cadência de um ritmo

que repete, em cada uma das minhas veias,

o pulsar compassado do meu Coração

rigidamente.


Espanta-me tudo ser só silêncio! -

mas esta é, na verdade, sempre, a voz poderosa

do martírio...


Devem ter havido bombas e morteiros e rajadas de metralhadoras

e de todas as máquinas, construídas pelo homem, e ao serviço da guerra -

é possível que tenham havido e que tenham sido escutadas;

mas eu não as ouvi! Ninguém mais, no Mundo, as ouviu,

senão Tu!, cidade mártir,

Maravilha!, de um tempo que não devia mais ter sido.



II - Para onde correm as tuas águas?, rio

E toda a tarde choveram brandas águas,

que formaram este caudaloso rio,

rio imenso, rio sem fim,

rio em Mim.


Tanto que correndo largamente,

tuas águas, ó rio,

um vasto Mar cingiu a Terra

e, lavando todo o sinal da guerra,

o solo, enfim, floriu.


Mas... não mais que um vislumbre de Sonho

é este rio e são estas águas tombando,

ilusão, grande ilusão,

sempre ilusão, da humana condição.



III - A condição humana

Desterrado, todo o homem procura

uma Luz mais pura,

talvez um sorriso de infância,

talvez um embalo de colo de Mãe;

todo o homem acalenta o desejo

de ter, num Abraço e num Beijo,

a vastidão de um conforto Eterno;

porém, não é ainda chegada a Hora

- e porque demora?! -

de ter na Terra esta Utopia,

de abrir os olhos e haver Magia,

de, como num Cântico, afastar todo o rancor

e o Medo e não haver nenhum Segredo.





O círculo da perfeição

E, então, como um imenso oceano de mar,

massa informe

que goteja dor a dor,

atravessamos o Bojador,

ou seja lá o que for.










Tempo linear

É agora o momento da eternidade.

Tempo vertical.

Imagem do instante

da minha Alma

errante

caminhante

nesta planície deserta.


E o Ser, que, então, subitamente

desperta,

colhe cada fruto na realidade

e nisto, enfim, reside toda a Verdade!





Hiato

Atravesso o Sul de mim

e, nessa travessia, encontro

a substância que não tem fim:

memória doce

planície desperta

olhar divagando

em cada hora inquieta.





Digressão

E, de súbito,

que desejo!,

voltar a ser pedra, mineral,

planta e flor

sob este mesmo céu.


Há momentos assim.

Momentos em que me queria

esquecer de Mim!





Movimento do Mundo

Neblina de prata e oiro.


E talvez, se não houvesse um Mar

nem um Céu

nem Aves poisadas nos beirais,

nem Mundo,

ainda assim, deveria haver um instante

em que todas as Almas errantes

no Universo perdidas

se encontrassem nascidas

para o destino das vidas.





Claridade

Pesa mais a existência

em certos dias...

E nem o lugar remoto do cimo

da encosta,

lugar mais próximo do fulgor

do céu no pensamento,

afasta de nós o cálice da amargura.


Triste queixume da humana condição,

que só a Claridade desvanece,

a Claridade de uma humana Prece.







Sinto muito

in memory Luís Caminha
Talvez se fosse possível apenas e só

o sentar à margem do rio,

ouvindo-o e vendo-o correr,

a tua dor tivesse sido mitigada

nesta penosa estrada.


Mas é preciso colher o orvalho

na madrugada -

é preciso pisar o mosto

de pés descalços -

é precisa a coragem intrépida

de olhar de frente e esmagar a solidão.


Por isso, um dia foi noite para ti,

firmemente, serenamente,

foi noite para ti.






Na urgência do silêncio...

Mais cedo do que a madrugada

que desperta

vence o silêncio.

E traz com ele a noturna ansiedade

de viajar pelos universos

mais desconhecidos e remotos

do Ser que sonha o pensar.


É esta a catedral do ser!,

lugar onírico,

onde eu me conheço

ave amanhecida

em cada lugar da vida.







Única certeza

O que mora em mim

permanece...

E não há nem o Longe nem o Tempo,

Musa, daquelas horas ditosas

dos vagarosos versos,

que constroem o pensamento,

no momento de cada momento.







Pedaço a pedaço...

Para o Matt Waterson


Viva, a eternidade

habita agora o espaço da casa

e minha Alma absorve em cada som, a música,

e a voz das catedrais...

Doce é a Ilha - paraíso de coros celestes -

que eu adivinho envolta numa bruma suave

como se o Rei de lá voltasse

e viesse trazer a mais profunda Paz

que um homem é capaz!






O fio do silêncio

Um fio de silêncio

escorre na minha alma dentro -

paisagem longínqua

que nunca poderei olhar.


Por isso, não importa o brilho nem o calor

da tarde nem o burburinho

que tão perto de mim arde

e me faz pensar

que a maior ousadia

está no nascer de cada dia.









A encosta

Mesmo à minha frente,

o cimo da encosta toca os Céus.

Que feliz!, o rebanho

a pastorear,

como se um deus o estivesse a guardar.






No instante do vento

Tudo é breve,

tudo passa,

qual instante impermanente,

volátil e intangível,

que diz confiadamente

que todo o sonho é possível.





Vislumbre a Sul

Da eternidade inominável,

essa ternura de Paz que ecoa

pela paisagem desperta,

colho o assombro da certeza

de que nela está a minha inteireza.





O instante

Basta-me este instante

da breve e fria madrugada.

Não preciso de mais nada.

Basta-me este momento breve e fugaz

de luz!

E, nele envolta, toda a energia vibrante

do luar

é um lugar a conquistar.





Noite branca

É uma noite branca.

Brilha inteira no céu da escuridão

apenas uma luz - imensidão do luar

em mim!


É uma noite branca.





Saudade

Que ânsia tão dor

no mais fundo clama!,

é o rei... são as naus... é o caminho

das descobertas... - mas é também o barqueiro

que há de ser o amortalhador

de cada passo que eu hei dado,

seja de glória ou de pecado.








Bliss

"Guarda-me essa jóia!, ela é a Alegria!",

e leva-a com a Esperança

como num encantamento

e traz vida e mais vida a todo o momento!








Um segredo

Longe mora o distante deserto

onde as dunas tão perfeitas

me fazem cismar sobre as coisas

mais profundas: e cada uma é um segredo

tão desmedido!,

que nem o homem nem o mundo

parecem ter sentido...





Estátua de sal

Aquela estrada - caminho estreito -

habita no meu peito

e, se o percorro,

parece que nada se move

no universo

nem um sonho nem um verso.





Dia comum

Be just utterly in the moment,

ele disse - e assim começou o Milagre,

a manhã amanheceu,

a tarde correu,

e a noite mergulhou no silêncio profundo

de que nasce cada dia do mundo.







In my mind

O céu cinzento tolda a cidade

como se a Alma

do mundo tivesse entristecido

e nada à nossa volta tivesse mais sentido...


Mas talvez também a tristeza

faça parte da Natureza!





Simple Awareness

O horizonte expandiu-se!,

a rua, os prédios, toda a encosta

se projetou para Além.


E eu, ínfimo pedaço,

sigo bem, para lá do espaço,

aonde, na multidão das estrelas,

se desenham caravelas

quinhentistas e bravamente!,

como quem conquista,

o sonho e a realidade perco-os de vista.





Diálogo

No silêncio mais amplo,

aprendi

o diálogo em mim

- movimento motriz -

que é a flor e a raiz.





O sonho e a vida

Sonhei. Sonhei que a terra era finita.

Sonhei. Sonhei

que o meu sonho era a outra margem.


E de tanto sonhar

nem me lembrei que a cada dia morria

como uma flor campestre

num paraíso celeste.









Infinito de tempo

Minha idade!, meu tempo!,

maio outrora desconhecido

e hoje pleno de sentido -

como a desgraça compra e paga

em vida a liberdade -

e a honra

não mais é do que a Verdade!





Peregrinação

Início de viagem atravessado

em mim - descampado do infinito campestre

da minha alma dentro!,

e a luz?!, a luz é de esperança,

pois toda a confiança

no Coração guardada

não tem senão um fito: uma chegada!





É um eco

É um eco. Ecoa em mim este grande silêncio

de todos os homens

que nunca foram libertados

da escravidão

do viver longe - tão longe - do verdadeiro ser.





Como quem não esquece

Existe o esperar e existe a espera.


E quem dera, não era?,

que no Coração,

o seu abrigo,

ela estivesse sempre comigo.








O mistério

Todo o lugar é um mistério.

Do ser que nele se encontra,

nasce a sua natureza,

e assim um mesmo campo

é alegria e é tristeza.


Tal é também verdade na alma do mundo,

e dela, na alma de cada ser,

há a aurora e o entardecer.





Na manhã desperta

Toda a manhã é um rosto

sem sonhos,

mas plena de vida!,


por isso, quando desperto na madrugada,

há uma inquietude

como numa dança

no meu rosto ainda criança.





A dor sem fé

É já passado o tempo de sermos imortais.

Houve uma altura em que o pensámos,

quando ainda não contávamos invernos nem primaveras

pelos dedos das duas mãos,

porque os dedos não chegavam para esse infinito do tempo.

Mas agora já não é assim.

E cada estação, dentro de Mim,

aflora a certeza do desenganado espanto

do homem que chora no desencanto.





O eterno retorno

Pedaço a pedaço,

esvai-se o Tempo como o fio de água

daquela fonte onde brincámos na infância...

Ah!, mas eu conheço uma estrada,

que é partida e regresso de todo o sonho que professo:

é a estrada para o Sul do meu ser,

caminho de cada instante vivido

como momento sentido.





O começo de um novo destino

Um novo destino

se tece com as mesmas mãos

que já teceram na dor toda a sujeição.


Mas, agora, Mulher, Mater, da via dolorosa,

ergue e tece no teu Ser

a mais perfeita rosa.





E das palavras um rio...

Jazem todas as palavras esquecidas

e, nesse cemitério, estão também sepultadas

as ideias perdidas.


Cada palavra é um mistério da vida!,

que no nosso pensamento acontece

como aquele novo dia que amanhece.





É este o milagre

Dos infinitos deuses,

e da sua infinita agonia eterna,

é feita toda a lição da minha vida:

apenas no Amor - instante para sempre perdido -

há lugar e sentido!







O Caminho

Há ainda um Caminho que eu não percorri.

Em todos os outros - os dos regatos e também

os das pedras

que pisamos até sangrarem os pés - já me achei...


E, se algum dia me vi perdida,

foi só porque a estrada

errava ser o caminho

e a vida.


Salga-me de maresia!, ó Mar do entardecer!,

salga-me!, e revela-me esse Além da margem

obscura passagem do homem no seu ser!










Que onde?...

Abril chegou... - andam afinal

os meses às voltas

como a Lua -

e é este agora o meu derradeiro quarto celeste

da vida - passo a passo, medida a medida!





Catedral de Luz

É de Paz este momento fugaz do mais límpido amanhecer. Sonho de viver.