As coisas da memória

O renque de árvores, nas traseiras do prédio,

não despiu ainda a folhagem.

Mas vão amarelecendo uma a uma as folhas.

Mas cairão, lenta e suavemente, um dia após outro dia.


Assim também é com as coisas da memória.

Primeiro enfraquece, depois vai amarelecendo,

depois, um dia, lenta e suavemente, se desprende sem mais lembrança.


Pois é, fica a árvore despida.

Tão despida como quando amanhece a vida,

antes do florescer de uma primavera,

Saudade anterior de uma espera.





Outono em estio

Sopraram a chuva para tão Longe

e brilhou o sol.


E, agora, árida de novo, a terra,

sedenta daquele profundo Amor dos deuses,

procura nas entranhas de si

a lava viva

a labareda incandescente

com que acenda a Imaginação de um poeta

e haja, assim, na margem da vida, uma, apenas uma,

ideia florida.







Apontamento

Do mundo,

fomos apenas Crianças tristes

e não soubemos, porque o destino não o quis,

agarrar o breve lapso da Felicidade.


Mas há Mar! Mas há um infinito instante de Ser!,

e há o Amanhecer constantemente a cada dia.


E, talvez, numa hora de uma madrugada luzidia,

cada um nós, agora Adultos sem pecado,

saibamos colher, na memória do passado,

a Flor, o Instante, o Brocado.

Devaneio

E, de repente, subitamente,

é outono.


Um outono suave e compassivo.


E eclode, como numa primavera, em mim,

o Sonho sem fim

de que uma Luz atravesse o Mundo

e que todos acordem do seu dormir mais profundo.

Frágil eternidade

Por uma nesga da vidraça da janela alta,

observo os plátanos -

grandes árvores centenárias,

de porte magnífico,

tão eternas, mas tão frágeis na tecitura do Tempo.


São estupendas criaturas que,

dia a dia, ano a ano, primavera a primavera,

adensam, na terra, as raízes

e sonham - num Sonhar de serem felizes -

permanente Glória;

e mais a seiva as incita

a esquecer na Terra toda a desdita;

mais, num para além do Ciclo do Tempo,

grande, imenso, incomensurável, é eterno Alento

este simples, frágil, perdido, momento.

Catedral de Luz

É de Paz este momento fugaz do mais límpido amanhecer. Sonho de viver.